OS POLÍTICOS E A SOCIEDADE BRASILEIRA

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Fernando Curi Peres

Quando economistas tentam explicar quais são as perspectivas da economia brasileira, nos próximos meses e/ou nos próximos anos, logo surgem as discussões sobre os rumos das decisões políticas no sentido de elas serem mais ou menos populistas. Deve-se notar que a economia é e deve ser totalmente subjugada a decisões políticas. Isto porque o instrumental analítico do economista, que deve estar sempre tentando utilizar o método das ciências, definido no seu sentido mais restrito, não lhe permite escolher objetivos políticos que impliquem na transferência de benefícios e custos às diferentes camadas da população. As decisões que afetam as mudanças nos beneficiários e pagadores de ações de governos devem ser feitas, ou tomadas, pelos políticos que, nas economias liberais, deveriam ser eleitos para representar as populações. Uma vez escolhidos, pelos políticos, os objetivos a serem alcançados pelas ações dos governos, os economistas podem ser chamados para opinar sobre os melhores e mais indicados caminhos a serem seguidos para seu atingimento. As famosas audiências públicas (hearings) dos congressos de países desenvolvidos – para os quais são convidados economistas reconhecidamente capazes – são maneiras de garantir que técnicos sejam ouvidos antes da aprovação de políticas públicas relevantes. As decisões políticas em regimes presidencialistas podem ser, por seu lado, classificadas como de estadistas ou populistas. A diferença entre elas é fundamental.

Os estadistas são políticos que mostram ter, consistentemente, visões e coerências em suas ações, com objetivos sociais claros, tanto os de curto quanto, e principalmente, os de longo prazo. Os populistas, por outro lado, são tipicamente orientados por “marketeiros” que são técnicos ou artistas, com especial instrumental analítico ou sensibilidade, para captar as maneiras como os grupos sociais – eleitores – percebem as imagens e ações dos políticos. Os principais objetivos dos políticos populistas são os de alcançar maiores e mais duradouros poderes, os quais servem a seu proveito próprio ou de seu grupo próximo de apoiadores. Os estadistas se guiam/consultam técnicos competentes em suas respectivas áreas, tais como economistas, administradores, juristas e cientistas políticos, enquanto os populistas ouvem, ou seguem, os marketeiros e/ou comunicadores. O estadista persegue políticas que ele acredita que conduzirão a sociedade a estados da natureza com maior bem-estar social; o populista busca a satisfação dos objetivos de poder e privilégios para os membros de seu grupo, por meio da manutenção do poder político conquistado de qualquer forma possível. O populista diz qualquer coisa que, na sua visão ou na de seus assessores, servirá para melhorar sua imagem e aumentar sua popularidade com os eleitores; o estadista persegue resultados programáticos explicitados e apresentados aos eleitores de forma propositiva. Apesar de se acreditar que as pessoas são racionais na percepção de resultados das políticas públicas, parece que elas podem ser manipuladas, durante longos períodos, por populistas que acenam com promessas irrealistas cujos resultados não são observados no curto e médio prazo.

No Brasil, têm sido observados sinais de que a população quer ver mudanças nas atitudes dos políticos. No entanto, o sistema está desenhado para manter o “status quo” (ou a situação atual) de forma a dificultar mudanças profundas na condução das políticas públicas. Nas eleições gerais de 2018, houve uma alta taxa de renovação eleitoral no Congresso Nacional – Senado Federal e Câmara dos Deputados -, nos legislativos estaduais e nos executivos estaduais e federal. O que mudou na atitude dos membros do Congresso Nacional? E no executivo nacional? Mudaram alguns nomes, mas pelo que pode ser captado nas pesquisas de opinião, o sistema é poderoso o bastante para transformar quase todos os novos eleitos em defensores dos privilégios, dos eleitos e das corporações que os apoiam, a serem mantidos a qualquer custo. Dadas as características do nosso processo eleitoral, as tentações, às quais os eleitos estão sujeitos, são enormes: (i) uma vez eleitos, os políticos podem indicar apadrinhados tanto para cargos bem remunerados no executivo quanto para cargos nas empresas estatais dos diferentes níveis de governo; (ii) os eleitos têm um grande diferencial competitivo eleitoral a seu favor representado pelo fundo partidário que lhes garantem enorme vantagens; (iii) os cargos em estatais e em determinadas esferas do executivo garantem aos eleitos e seus apadrinhados um enorme poder sobre orçamentos que podem ser utilizados para gerar recursos de ações corruptas de difícil controle fiscal por órgãos dos diferentes tipos e níveis de governo. Assim, o sistema está desenhado para absorver os eleitos, mesmo aqueles bem-intencionados que, antes, pretendiam trabalhar para o bem comum.

O sistema liberal de organização republicana da sociedade foi desenhado, no mundo ocidental, de maneira a garantir a atuação dos representantes eleitos no sentido de procurarem a satisfação dos interesses dos eleitores. Por que as pesquisas de opinião públicas estão apontando exatamente o contrário, no Brasil, onde existe uma enorme desconfiança da população – dos eleitores – nas intenções dos políticos eleitos? Uma possível explicação para esta percepção pela população sobre as motivações dos eleitos pode ser mostrada por análises de cientistas políticos que acreditam nas premissas do liberalismo. O liberalismo está fundado em princípios realistas, dos quais um deles é o de que as pessoas têm e, em geral, agem de acordo com seus interesses pessoais, com os de seus entes queridos ou com os de seu grupo apoiador. Eles acreditam que nenhum político é “bonzinho” a ponto de uma vez eleito, passar a ser completamente altruísta e, milagrosamente, esqueça seus interesses pessoais e os de seus entes queridos e se dedique ao atingimento do bem comum. Os liberais acreditam que as pessoas procuram e continuarão a procurar, primeiramente, a satisfação de seus interesses pessoais e os de seus entes queridos. Como conseguir que os políticos eleitos para nos representar defendam os interesses de seus eleitores em vez de defenderem só os seus próprios?

A proposta liberal para o uso do sistema eleitoral de representação política é a mesma que reconhece os mercados como instituições impessoais com regras claras de atuação das suas unidades, onde cada pessoa procura seus interesses, mas a competição entre as pessoas e empresas acabam conduzindo a economia para seu melhor resultado social. De forma semelhante ao que Adam Smith sugeriu para os mercados, onde cada indivíduo tenta realizar seu interesse, o sistema político organizado com três poderes independentes e com regras claras para atuação de cada um deles – a Constituição do País – deveria cuidar para que os empregados dos eleitores, todo o funcionalismo público e os políticos eleitos, trabalhem sobre as ordens de quem os contratou, a população do país. A Constituição tem que ser clara e não pode permitir sua interpretação de acordo com visões políticas conjunturais e, acima de tudo, não pode permitir que cada membro do colegiado encarregado de sua interpretação – o STF – possa implementar sua visão particular. Por seu lado, o sistema eleitoral tem que ser tal que o eleitor saiba o destino de seu voto – quem se beneficiou dele – e, acima de tudo, possa cobrar do eleito a necessária coerência de suas ações com suas proposições programáticas. A única forma que o mundo ocidental conhece para permitir esta correspondência entre as promessas eleitorais dos representantes e suas ações após a eleição é por meio do uso dos chamados distritos eleitorais. Os distritos devem ter o mesmo número de eleitores e serem contíguos. No Brasil, o sistema eleitoral está desenhado de maneira a dificultar, ao máximo, a exigência de prestação de contas pelos eleitos aos seus eleitores. O sistema torna o voto altamente difuso, de forma a dificultar qualquer aproximação entre o eleitor e o eleito!

Em artigos anteriores já mencionamos o fato do nosso sistema eleitoral ser tal que permite que os eleitos não precisem dar satisfação aos eleitores. O problema é mais sério nas eleições para as câmaras de deputados e de vereadores. O sistema foi manipulado de forma que a representação popular dos eleitos corresponde muito pouco com os desejos dos eleitores. Por exemplo, os limites arbitrários no número de deputados eleitos para cada estado distorcem a relação eleitor/eleito. Desta forma, para que um deputado federal seja eleito no estado de São Paulo, é preciso que seu partido tenha recebido um número muitas vezes maior que os correspondentes de estados menos populosos. Mas outras distorções foram introduzidas de forma a não permitir, ou dificultar o controle pela população – pelos eleitores – das ações dos eleitos. Em outras palavras, o eleitor não sabe, na grande maioria dos casos, para quem seu voto contribuiu para que fosse eleito. Desta forma, não há como cobrar dos eleitos as responsabilidades, ou coerência, nas suas propostas programáticas. Os eleitos passam a ser donos dos seus mandatos sem precisar prestar contas aos seus eleitores acerca das ações, ou posições, que toma em seu nome.  

 Na página de opiniões do O Estado de São Paulo do último dia 15 de março (p. A3) pode-se ler que “há muitas maneiras de distorcer a expressão da vontade popular nas urnas. Em concreto, a reforma eleitoral em discussão na Câmara tem dois temas que afetam diretamente a capacidade de o eleitor definir livremente quem serão seus representantes:” as coligações partidárias e o distritão. Desta forma, cada vez mais os deputados federais estão tentando dificultar, por meio da difusão da relação eleitor-eleito, o controle das ações dos eleitos pela população. Assim, os deputados são a cada dia mais independentes dos eleitores, tornando-se mais donos dos seus próprios mandatos. Com a volta das coligações partidárias serão viabilizados os partidos nanicos, cuja principal razão de ser é seu acesso aos recursos do fundo eleitoral. Os eleitos poderão desconsiderar, cada vez mais, o perigo de ter seu mandato revogado na próxima eleição!  

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4 thoughts on “OS POLÍTICOS E A SOCIEDADE BRASILEIRA”

  1. A mudança de atitude dos políticos no sentido de que serem estadistas depende não apenas de seus valores pessoais, mas da compreensão da população como um todo – a sociedade civil – do papel deles na determinação do caminho das nações, em direção à riqueza. A sociedade civil cobra que as instituições sejam inclusivas e não extrativas, como mostram Daron Acemoglu , do MIT, e James Robinson, de Harvard, no Por que as nações fracassam.

  2. Muito bom: “Os estadistas são políticos que mostram ter, consistentemente, visões e coerências em suas ações, com objetivos sociais claros, tanto os de curto quanto, e principalmente, os de longo prazo. Os populistas, por outro lado, são tipicamente orientados por “marketeiros” que são técnicos ou artistas, com especial instrumental analítico ou sensibilidade, para captar as maneiras como os grupos sociais – eleitores – percebem as imagens e ações dos políticos. Os principais objetivos dos políticos populistas são os de alcançar maiores e mais duradouros poderes, os quais servem a seu proveito próprio ou de seu grupo próximo de apoiadores. Os estadistas se guiam/consultam técnicos competentes em suas respectivas áreas, tais como economistas, administradores, juristas e cientistas políticos, enquanto os populistas ouvem, ou seguem, os marketeiros e/ou comunicadores. O estadista persegue políticas que ele acredita que conduzirão a sociedade a estados da natureza com maior bem-estar social; o populista busca a satisfação dos objetivos de poder e privilégios para os membros de seu grupo, por meio da manutenção do poder político conquistado de qualquer forma possível. O populista diz qualquer coisa que, na sua visão ou na de seus assessores, servirá para melhorar sua imagem e aumentar sua popularidade com os eleitores; o estadista persegue resultados programáticos explicitados e apresentados aos eleitores de forma propositiva. Apesar de se acreditar que as pessoas são racionais na percepção de resultados das políticas públicas, parece que elas podem ser manipuladas, durante longos períodos, por populistas que acenam com promessas irrealistas cujos resultados não são observados no curto e médio prazo.”

  3. O Brasil está numa fase de empobrecimento forte e rápido cuja compreensão passa pela compreensão política do que acontece no mundo, a partir do que ocorre na “pólis”, a nação em interação como Estado. Esta compreensão necessita de diversas perspectivas; não apenas a econômica. Os autores citam uma frase do economista Abba Lerner que diz que “a Economia ganhou o titulo de Rainha das Ciências Sociais ao escolher como seu domínio problemas políticos já resolvidos”. Isto é, em função de partir da premissa de que os problemas políticos já foram resolvidos, a Economia não consegue dar uma explicação convincente das desigualdade entre as nações. Como você sabe, essa compreensão depende de um trabalho em equipe e coordenado de todos os que utilizam ou se interessam pelas Ciências Sociais. A frase de Lerner está na pág. 54 do livro de Acemoglu e Robinson (Por que as Nações Fracassam. As origens do poder, da prosperidade e da pobreza. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012).

  4. O jogo analítico entre o que é específico do Brasil, e o que é geral, o que é humano, “conversa” com a contextualização fornecida por Acemoglu e Robinson, no livro citado e em seu novo livro, The Narrow Corridor: States, Societies, and the Fate of Liberty.

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