O CAMINHO QUE ESCOLHEMOS

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Em artigo recente que reflete a visão de um dos mais brilhantes economistas do país – Affonso Celso Pastore – ele discute as políticas dos Estados Unidos, da Europa e do Brasil no enfrentamento da crise econômica e sanitária causada pelo Covid-19. O artigo, publicado no O Estado de São Paulo, aponta o fato de termos seguido as orientações políticas americanas, ao contrário das europeias, e termina com o curto parágrafo que reproduzimos com breve enxerto nosso, colocado entre […]:

“Uma proeza, maximizamos os dois custos [ele se refere ao (i) custo fiscal do aumento da relação Dívida/PIB e (ii) a criação de uma bolha no mercado de ações] ao adotar um modelo que busca, apenas, viabilizar a reeleição do presidente. Melhor seria termos aprendido com a história dos países de sucesso, que priorizam o bem comum, como fizeram os europeus”. (Estadão, 30/08/2020)

Os governos executivos federais dos USA e do Brasil estão, atualmente, ocupados por populistas que souberam se aproveitar de conjunturas específicas nos seus respectivos países – a redução relativa da qualidade de vida de uma classe média despreparada, em sua competência, para a concorrência derivada da globalização das economias, nos USA, e o perigo da permanência no poder executivo de um partido altamente corrupto, no Brasil, – e têm declarado suas afinidades políticas. Por que os dois países têm governos populistas, apesar de serem profundamente diferentes em suas organizações políticas e no grau de educação de suas populações?

A baixa competência do capital humano brasileiro – conhecimento, habilidade, que é a capacidade de transformar o conhecimento em trabalho e atitude – tem sido mensurada em inúmeras pesquisas comparativas entre países. Além da baixa competência, as rendas da população e o arcabouço legal e institucional brasileiro aumentam a insegurança das pessoas no respeito às suas liberdades constitutivas e as instrumentais. A escala das hierarquias de Maslow, mostrada na chamada Pirâmide de Maslow, ajuda a entender as limitações de nossa população na sua compreensão e atuação política. Aquele famoso psicólogo sugeriu a divisão das necessidades humanas em cinco classes de acordo com as preferências de satisfação de cada classe. Como mostrado na figura, à classe mais primária, ou elementar, de necessidades ele denomina de fisiológica. Nela estão as necessidades de comida, respiração, sexo, etc, que precisam ser, pelo menos parcialmente, satisfeitas para que a classe seguinte – segurança – ocupe o espaço das preocupações dos indivíduos. De maneira semelhante, as três classes mais altas só se transformam em necessidades efetivas se as mais baixas – que estão em classes inferiores na pirâmide – são, pelo menos, parcialmente satisfeitas.

Como pode ser visto na Pirâmide de Maslow, preocupações e envolvimento em ações corretoras sobre corrupção pública e legitimidade de representação política serão dificilmente priorizadas por uma vasta faixa da população brasileira que se encontra, por sua baixa renda e pouco conhecimento formal, em classes que correspondem às mais baixas da hierarquia sugerida por Maslow. Isto os transforma em público preferencial para responder a apelos de populistas. Por isto, também, o aprimoramento da educação brasileira dificilmente tem sido considerado prioritário pela maioria de nossos políticos.

 

Os USA têm uma invejável organização política, com excelente representatividade popular, assegurada pelo sistema de voto distrital com recall e pela realização de eleições bianuais para sua Câmara de Deputados e parte do Senado e incontáveis consultas diretas nas eleições, às populações, na implementação de políticas públicas. Este sistema garante o controle, pela população, de muitas ações e decisões políticas. No entanto, também naquele país, as chefias dos executivos, tanto a federal quanto as estaduais, são mais difíceis de serem controladas pela população, pelo fato dos constituintes estarem muito mais dispersos e em grandes populações. As estratégias de marketing e de uso de instrumentos de mídia têm um papel predominante nas escolhas dos seus titulares, o que facilita a eleição de populistas bem assessorados – pelos famosos marketeiros – no uso daqueles recursos de comunicação. Este fato está acontecendo em muitas outras partes do mundo desvirtuando a representatividade de sistemas presidencialistas, como o americano. A sorte deles vem do fato de que lá – nos USA – o congresso eleito com maior representatividade pode realmente controlar, ou, às vezes, impedir o chefe do executivo de causar tantos malefícios à nação.

No Brasil, o sistema de representação política é precário em todos os níveis. Tanto as Câmaras de Deputados quanto o Senado Nacional têm seus ocupantes eleitos em grandes pleitos onde é altamente diluída a interação mais próxima da população com os eleitos. De fato, o controle das ações dos eleitos pelos eleitores é sistemática e constantemente dificultado pela organização do nosso sistema eleitoral. O resultado é que poucos se lembram em que partido e, mesmo, em que candidato votou na última eleição para as câmaras de deputados. O pior é que mesmo aquele que se lembra do nome do candidato em quem votou acabou elegendo terceiros sobre os quais sabe muito pouco. Como insiste o importante jornalista e estudioso de ciência política, Fernão Lara Mesquita, só o aperfeiçoamento do processo eleitoral brasileiro com a incorporação do voto distrital pode melhorar o controle pela população das ações dos políticos. Embora tardiamente, até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso[1] acabou por admitir que a introdução de alguma forma de voto distrital é fundamental para o aperfeiçoamento de nossos processos democráticos. Só assim, teremos alguma chance de nossos políticos priorizarem o bem comum em suas ações.     

 

[1] Fernando H. Cardoso. “Reeleição e Crises”. O Estado de São Paulo. 06/09/2020

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