A ARGENTINIZAÇÃO DA POLÍTICA BRASILEIRA

4.8
(24)

Fernando Curi Peres

Vania Di Addario Guimarães

José Roberto Canziani

Com o recente processo eleitoral ocorrendo no país vizinho, os instrumentos de mídia brasileira têm noticiado o apoio que tanto nossas correntes de pensamento políticas de esquerda quanto os de extrema direita estão emprestando aos irmãos próximos. Entre os camaradas esquerdistas brasileiros da iniciativa chamada Fórum de São Paulo, conhecidos “marketeiros” ligados ao Lulopetismo estão ajudando os peronistas e grupos afins a se manterem no poder naquele país. Ora, uma das características dos países democráticos é a alternância de poder entre grupos que têm visões políticas tão diversas como os peronistas e aliados de um lado, e grupos mais liberais de outro. A Argentina, por sua vez, merece ser interpretada em sua persistência, ou predominância, marcante de peronistas ocupando o governo central do país desde os últimos anos da primeira metade do Século XX. Como explicar a manutenção por tantas décadas de uma orientação política que, claramente, têm produzido resultados tão ruins?

Enquanto a Argentina foi, na primeira metade do século passado, uma importante exportadora de produtos de sua agricultura altamente competitiva, seus índices de desenvolvimento estavam entre os mais altos do mundo nos itens mais relevantes que medem educação, consumo alimentar, desenvolvimento artístico e outros indicadores de superior qualidade de vida. A pergunta difícil de ser respondida é a que questiona como foi possível que um país que tenha alcançado níveis de bem estar social tão altos entrar em um processo de deterioração permanente da qualidade de vida de sua população? Quando Abrahan Lincoln sugeriu que ‘se pode enganar a alguns por muito tempo, mas era impossível enganar a todos por todo o tempo’ ele, certamente, não conhecia, nem podia imaginar que aconteceria um caso como o da Argentina!

Entre as causas da deterioração econômica e política da sociedade Argentina está, com certeza, a alta instabilidade institucional do país. É sempre possível argumentar que a instabilidade institucional é resultado e não causa do declínio da Nação, quando avaliado pelos índices atualmente usados como indicadores de mais altos IDHs das sociedades. As altas inflações suportadas e permitidas pelos seus processos políticos, as inúmeras quebras de contratos implementadas por seus governos centrais e o populismo prevalescente nos seus processos políticos sugerem que a desvalorização, ou o desprezo pela estabilidade institucional tem sido uma característica persistente no país. Neste sentido, a sociedade argentina pode ser indicada como a principal vítima de um modelo errado de desenvolvimento econômico que ignora as vantagens comparativas de um país e decide que ele precisa da industrialização forçada para conseguir fugir da condição de ‘economia satélite e dependente’[1] de economias centrais para obter produtos industrializados.

Ao contrário dos países da Oceania – Nova Zelândia e Austrália – por exemplo, que se desenvolveram abrindo suas economias e privilegiando as forças de mercado que atuam com base nas respectivas vantagens comparativas[2], a orientação dos processos econômicos dos países que sofreram forte influência da perspectiva Cepalina de promoção da industrialização a qualquer custo cobrou um alto preço das respectivas sociedades. Às custas da penalização pesada de suas cadeias eficientes, que no Brasil correspondiam a alguns setores do agronegócio e do mineral, desenvolveram um imenso setor industrial que, em sua maioria, transformou-se em subsetores, ou cadeias, ineficientes e dependentes de subsídios permanentes para se manterem ativos. Na Argentina o processo peronista de penalização do seu agro foi e continua sendo extremamente perverso na destruição de seus setores mais competitivos para financiar uma industrialização ineficiente e forçar a transferência de rendas da agricultura para os setores urbanos da economia.

A discussão sobre o modelo de desenvolvimento argentino – assim como o brasileiro[3] – teve uma enorme influência dos economistas Raul Prebisch, argentino e principal teórico desde a criação da CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe –, e do ex-ministro romeno Mihail Manoïlesco, na adoção de políticas centralizadoras de promoção da sua urbanização e da indústria de transformação com financiamento e tripulação retirados na marra, ou por expropriação, dos setores exportadores eficientes do agro. As forças políticas brasileiras tiveram, em décadas recentes e por razões que não cabem aqui serem discutidas, o bom senso de dirigirem ao seu agro algumas medidas voltadas ao desenvolvimento de cadeias de alimentos, fibras e energia, por meio do estímulo à pesquisa e ao ensino, além de políticas de crédito e preços mínimos. A Argentina continuou com a orientação peronista de transferência de rendas do agro para os setores urbanos. Conseguiram a proeza, quase única entre as sociedades que são conhecidas, de transformar em relativamente pobre uma economia que foi das mais ricas do mundo!

Normalmente, governos populistas gastam mais do que arrecadam para conceder benesses a certos setores da sociedade. Com isso, esses benefícios se transformam em aprovações políticas por parte da população menos esclarecida, ou por aqueles que as recebem. Mais adiante, no entanto, essas políticas geram aumento da dívida pública e/ou da inflação e a desvalorização da moeda nacional, causando o empobrecimento mais geral da população. Paradoxalmente, não é fácil derrubar esses governos, pois mesmo os mais pobres têm receio de perder as benesses concedidas pelo governo populista. Em muitos casos, como o brasileiro, uma parte importante dos recursos arrecadados pelo governo vêm de impostos indiretos[4], que a população menos esclarecida não percebe que ela mesmo está pagando. È impressionante como as pesquisas mostram que as camadas mais pobres de nossa população não sabem que elas pagam uma maior fração de suas rendas como impostos indiretos, ao contrário do que acontece com os membros das classes mais ricas da sociedade.

As esquerdas da América Latina têm sido muito eficientes em conseguir suporte para populistas que prometem a seus povos qualidades de vida que não estão ao seu alcance. A baixíssima sofisticação política de suas populações, para a qual colabora a péssima qualidade de seus sistemas de ensino, está permitindo a manutenção nos respectivos poderes políticos de populistas hábeis em enganar este tipo de eleitor. Isto acontece particularmente no Brasil, onde se atingiu um nível de vulgarização de práticas de corrupção que dificilmente seriam aceitas em sociedades onde os estoques de capitais humanos e sociais são superiores. Para elevar estes estoques, uma condição fundamental no processo requer uma transformação profunda em seus sistemas educacionais e políticos que, praticamente, estão ausentes nos nossos respectivos debates políticos. Só com profundas reformas política e educacional teremos a chance de fugir da correspondente armadilha populista na qual estamos presos!

[1] Como foram classificadas, na época, as economias.

[2] As políticas nos dois países da Oceania – Austrália e Nova Zelândia – foram, ao contrário das intervencionistas da América Latina, voltadas, principalmente para a educação de sua população e para estímulos concorrenciais que privilegiaram o desenvolvimento de setores nos quais suas economias têm claras vantagens comparativas. Hoje suas sociedades apresentam IDHs entre os mais altos do mundo, mostrando a superioridade da perspectiva liberal sobre a Cepalina de promoção da industrialização a qualquer custo.

[3] No Brasil ficou bastante conhecida a controversa iniciada nos anos 1943-44 entre o industrial Roberto Simonsen e o economista Eugênio Gudin que defendiam posições opostas quanto à industrialização induzida por políticas centralizadoras. Publicada em seu seminal “A Lanterna de Popa” o economista Roberto Campos assim descreve alguns elementos daquela importante controversa:

 (Eugênio) Gudin insistia em que o processo industrializante deveria observar as linhas de vantagens comparativas e deveria caber principalmente ao setor privado, sem se relegar a agricultura à posição de vaca leiteira para financiar a industrialização

[4] Impostos indiretos são aqueles que não dependem da renda auferida pelo indivíduo, ou pela  família.

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