Editorial do Segundo Ciclo do LIDERMS IV

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Realizado no início de novembro passado, logo após o segundo turno das eleições gerais do Brasil, o ciclo de estudos foi um período de avaliações e análise das perspectivas sobre os destinos do Estado do MS e do País. Junto com a alegria contagiante que se seguiu à eleição do ex-LIDERMSI, Eduardo Riedel, para governador, que se somou à já estabelecida opção do Estado por lideranças do agro, com a vitória consolidada de Tereza Christina, também ex-LIDERMSI, para o Senado Federal, a população de Mato Grosso do Sul mostrou que está alinhada com princípios liberais de gestão pública de sua sociedade. São princípios claramente definidos no Século XIX, que valorizam a liberdade das escolhas individuais, o respeito à propriedade privada e o processo de escolha de governantes com base em eleições livres e que transcorram de forma transparente e de acordo com regras claras e estáveis. O resultado da eleição para Presidente da República frustrou a maioria dos eleitores do Estado. No entanto, o respeito à alternância do poder é uma consequência daqueles princípios liberais e temos que viver com isto, conforme as sábias palavras do Presidente da FAMASUL, Marcelo Bertoni, proferidas durante o ciclo.

Além dos Professores Vania D’Addario Guimarães, José Roberto Canziani, Renato Roscoe e Fernando Peres, o ciclo contou com a presença honrosa de duas importantes lideranças políticas e institucionais do País: do ex-Ministro da Defesa José Aldo Rebelo e do Comandante (Capitão de Mar e Guerra) Guilherme Sandoval Góes, especialista em Geopolítica da Escola Superior de Guerra. A Profa. Vania mostrou ao grupo os fundamentos econômicos, conhecidos desde os tempos de Adam Smith, do princípio das vantagens comparativas. Segundo este princípio, os grupos ganham sempre que alguém se especializa na produção de determinados bens e/ou serviços e os troca por produtos e/ou serviços produzidos por outros. Levado a extremos, pode-se mostrar, a partir das vantagens comparativas, que a globalização é, economicamente, vantajosa para todos. É lógico que esta é uma análise parcial que leva em consideração somente aspectos econômicos. Dado a ameaça de reversão que a Pandemia e, mais recentemente, a guerra Rússia-Ucrânia, estão causando ao processo de globalização da sociedade planetária, é de fundamental importância que todos percebam os prejuízos econômicos e as novas oportunidades de mercado que tal tendência acarretará.

O Prof. Canziani conduziu um processo dinâmico de análise de situações problemáticas semelhantes às que os participantes enfrentam em seus próprios ambientes de vida ou trabalho e nos quais deverão desenvolver seus projetos de investimento de capitais. Embora individuais, os projetos dos participantes deverão tratar de iniciativas associativas: os benefícios esperados dos investimentos podem ser privados ou sociais; as iniciativas deverão ser associativas! Isto quer dizer que os projetos deverão interessar, diretamente, a grupos de pessoas (daí seu caráter associativo) e não só a um indivíduo ou a sua família. Sem uma teoria específica que explique o processo de formação e/ou o empoderamento de lideranças, o LIDERMSIV pede que cada participante exerça alguma forma de liderança como forma de aprimoramento da sua competência nesta área do relacionamento humano. O grupo base, importante instrumento auxiliar no desenvolvimento dos trabalhos individuais dos participantes, já têm uma primeira tarefa[1] de estimular seus membros a escreverem suas primeiras versões da descrição da situação problemática que pretendem atacar e indicar que grupo de pessoas pretende mobilizar para, juntos, desenvolverem um projeto de investimento de capitais destinado a resolver, ou minimizar, o problema identificado.

Os professores Renato Roscoe e Fernando Peres continuaram na apresentação do método das ciências indicando, principalmente, suas limitações. O método científico não prova nada! Ele só indica, por meio do teste das hipóteses derivadas das suas teorias, que elas explicam os fenômenos do mundo real. Os testes mostram, simplesmente, probabilidades de ocorrência. Assim, quando alguém diz que a ciência “provou” alguma coisa, ele pode estar se referindo à estrutura lógica da teoria utilizada ou da derivação a partir dela de hipótese(s) a ser(em) testada(s). O teste em si não tem poder conclusivo! Ele somente indica probabilidades de ocorrência. No entanto, é preciso ficar claro que, mesmo reconhecendo esta importante limitação do método das ciências, ele tem permitido um enorme conhecimento humano dos fenômenos do mundo como ele é!

É preciso sempre lembrar que, pela estrutura do seu método, a ciência não serve para indicar como as coisas do mundo devem ser. Por outro lado, os outros ramos do conhecimento humano que se propõe a sugerir como as coisas do mundo devem ser, precisam levar em consideração o atual estado das artes do conhecimento científico, que indica nossa percepção de como o mundo é. Isto deveria impedir os “sonhadores” de construírem soluções fundadas em pressupostos que o conhecimento científico está mostrando ser irrealista. Um exemplo pode esclarecer melhor este ponto: uma das consequências do socialismo real seria a de que, numa sociedade comunista, “cada um trabalharia segundo sua capacidade e cada um receberia segundo sua necessidade”. O modelo de sociedade proposto só funcionaria se os indivíduos que a compõem procurassem o maior bem estar da sociedade e não seu maior bem estar e o de seus entes queridos. Ora, exceto pelos santos e mártires de alguns grupos fundamentalistas, estas pessoas não existem de fato, como têm mostrado inúmeros testes de hipóteses sobre o comportamento das pessoas.

A moderna geopolítica está mostrando que o socialismo real está em franca decadência no mundo atual e as poucas economias que o utilizam estão produzindo fome e migrações de suas populações para outros países: Venezuela, Coreia do Norte, Cuba e Nicarágua são exemplos destas economias em extinção. A forma capitalista de organização econômica está se tornando hegemônica e já é responsável por quase todo o PIB mundial. A diferença está na organização política das sociedades. Parece que o mundo está se polarizando com base em um novo paradigma: em vez do socialismo versus capitalismo, a nova geopolítica separa os países em “capitalismo político” versus “capitalismo meritocrático” para usar a nomenclatura sugerida por Branko Milanovic em seu livro Capitalism Alone (“Capitalismo sem rivais: o futuro do sistema que domina o mundo” é o título da versão em português). O “capitalismo político” é o tipo de organização política baseada em alguma forma de autoritarismo, seja ela individual, partidária ou de classe. O “capitalismo meritocrático” se refere a sociedades regidas por princípios liberais onde as regras são dadas e a competição dos mercados gera os ganhadores. No capitalismo político os ganhadores – ou campeões – são escolhidos por critérios políticos pelo grupo dominante.

Nas excelentes apresentações dos dois conferencistas convidados para o Segundo Ciclo do LIDERMSIV, pudemos ouvir referências indiretas aos dois sistemas mencionados de capitalismo político e capitalismo meritocrático. O principal bloco asiático, que inclui China, Rússia, Vietnam, Singapura, Turquia e mesmo alguns países do leste europeu como Hungria e Polônia, forma o típico grupo do capitalismo político. Os demais países da Europa e da América do Norte são exemplos dos membros do capitalismo meritocrático. Infelizmente os países da América Latina estão em uma onda política que mimetiza cada vez mais o capitalismo político. É preciso notar, por exemplo, que na Argentina, economia cujo modelo parece ficar cada vez mais próximo do nosso com os resultados da última eleição, a família da atual Vice-Presidente da República, Christina Kirschner, é uma das mais ricas do país; tem havido acusações de que parte importante daquela fortuna foi conseguida por favores políticos.

Fomos alertados para o fato de os interesses nacionais sempre prevalecerem sob o discurso de que nas relações internacionais procuram-se nobres propósitos. Por outro lado, a Guerra Ucrânia-Rússia está mostrando que o grupo dos países do capitalismo meritocrático se uniu no nobre propósito de defender um princípio básico da convivência liberal ao não aceitar o uso da força, pela Rússia, no (re)desenho de suas fronteiras nacionais. Além disso, apesar da tentativa desastrosa da política nacional recente de implantar os “campeões nacionais”[2], a volta do Lulopetismo ao poder pode significar o distanciamento da nossa política internacional daquele, e dos demais, importantes princípios liberais.

O Comandante Sandoval indicou, claramente, que o conceito de “Segurança Nacional” vai muito além do conceito de Defesa Nacional. De fato, a Defesa Nacional é uma das dimensões da Segurança Nacional. A Nação precisa ter claro suas estratégias de Segurança Nacional que incluem segurança alimentar, segurança educacional, …, ambiental e muitas outras dimensões das nossas escolhas políticas. A explicitação das estratégias de Segurança Nacional deveria ser, desta forma, uma empreitada que deveria mobilizar toda a população do País. Todas as organizações da sociedade têm, assim, legitimidade para apresentar suas contribuições e/ou proposições para a explicitação das estratégias que deveriam nortear as lideranças dos diferentes grupos que compõem a sociedade no encaminhamento das respectivas ações. Um plano de segurança nacional proposto e estrategicamente desenhado por lideranças responsáveis das nossas instituições deveria ser capaz de mobilizar a Nação na condução do País para seus importantes destinos.

Uma importante escolha, ou alinhamento estratégico, está batendo às portas, ou exigindo algumas definições das nações da América Latina. Apesar da China – o principal expoente do bloco dos países do capitalismo político – ser o principal parceiro econômico dos seus países, a característica geográfica de pertencimento ao bloco ocidental das suas nações, cujas opções são, histórica e etnicamente, parte do mundo ocidental, faz com que os países desta parte do mundo tenham que conduzir suas políticas de comercio e demais relações internacionais de forma a garantir os interesses explicitados nas suas estratégias de segurança nacional. Infelizmente, poucos países deste bloco têm seus planos estratégicos de segurança nacional claramente explicitados o que dificulta a mobilização de suas populações para exigirem atuações específicas de seus dirigentes políticos.     

            Os professores do LIDERMSIV desejam a todos um ano de 2023 com muita saúde e cheio de realizações. Esperamos que nossas atividades continuem sendo muito proveitosas e que possamos fazer a diferença nos nossos respectivos ambientes econômicos, políticos e sociais.

Fernando Curi Peres

Giselda M.F.N. Hironaka

Vania D’Addario Guimarães

José Roberto Canziani

Renato Roscoe


[1] Cada participante deverá trazer para o terceiro ciclo (início de fevereiro) uma primeira versão da situação problemática que deseja atacar e uma relação de pessoas, ou grupo, a ser mobilizado para compor o núcleo interessado na implantação do projeto.

[2] Mostraram-se quase totalmente frustradas as criações dos chamados campeões nacionais; o quase único grupo que teve sucesso – o JBS – tentou mudar sua matriz (headquarter)  para outro país, só não conseguindo fazê-lo devido à pronta ação do BNDES que usou sua “golden share” para impedir a mudança. 

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