UMA FALSA DICOTOMIA

4.7
(22)

Fernando Curi Peres

Vania Di Addario Guimarães

José Roberto Canziani

      È necessário chamar a atenção dos leitores, pelo menos daquelas pessoas cujas fontes de informações vão além do WhatsApp e do Twiter, para a falsa dicotomia implícita na polarização política que nos chama, os não lulopetistas, de bolsonaristas. Nunca votamos no Lula, e/ou nos candidatos do PT, porque somos, e cremos, no liberalismo como definido pelos membros da chamada Escola de Viena, sintetizada e apresentada ao mundo na segunda metade do Século XIX e início do Século XX. Bolsonaro se apresentou à população brasileira como candidato à presidência da república em 2018 pousando de liberal. Acreditamos, e votamos nele, quando disse que não entendia de economia e delegaria ao seu Posto Ipiranga (Paulo Guedes) a gestão da economia nacional. Apesar de seu Ministro da Economia, Dr. Paulo Guedes, ser egresso de uma escola onde notoriamente predomina o pensamento liberal – Universidade de Chicago, USA – sua atuação como Ministro da Economia mostrou-se totalmente distanciada das prescrições que deveriam caracterizar a de um verdadeiro liberal. Não estamos dizendo que ele precisava seguir estritamente todas as prescrições liberais, principalmente sendo ministro de um presidente que, posteriormente, mostrou ser claramente corporativista, patrimonialista e averso à maioria das políticas liberais; por outro lado, um verdadeiro liberal não se apega ao poder, não faz tantas conceções e não permite tantas tentativas governamentais de implantar políticas contrárias ao liberalismo, como ele fez. Como bem fez o Secretário de Desestatização Salim Mattar, Paulo Guedes estaria sendo fiel aos princípios que diz acreditar se tivesse “entregado o chapéu e pedido demissão do governo”.

      O ex-secretário Salim Mattar, a nosso ver, um verdadeiro liberal, deixou prematuramente seu cargo no governo, ao constatar que, de fato, não existia uma real intenção de fazer cumprir o anunciado programa de privatizações apresentado pelo candidato Bolsonaro. Embora alegado por bolsonaristas que a resistência maior veio do Congresso Nacional, qualquer analista, mesmo os menos informados, deveria saber que haveriam dificuldades numa tentativa de privatização de, pelo menos, parte importante do enorme conjunto de estatais do governo central, uma vez que temos uma representação política eivada de vícios de legitimidade oriundos do nosso processo eleitoral. Nossas eleições para deputados e vereadores são altamente viesadas no sentido de tirar do eleitor o poder de controlar os eleitos. As instituições do voto distrital e do “recall eleitoral” melhorariam muito a legitimidade e funcionamento do nosso sistema, como acontece em muitas democracias amadurecidas, exatamente as correspondentes à maioria dos países desenvolvidos do mundo.

        Uma das principais razões para se entender as resistências dos membros do Congresso Nacional ao processo de privatizações está, exatamente, na análise do equilíbrio dinâmico dos estímulos que movem os diferentes atores do processo político e eleitoral do Brasil. Como em qualquer outro país do mundo, o realismo exigido de análises dos processos políticos precisa basear-se na pressuposição fundamental de que os diferentes atores agem de acordo com seus próprios interesses. Isto é perfeitamente compatível com a existência de verdadeiros espíritos de estadistas, característicos de pessoas que são capazes de entender que eles próprios, suas famílias e seus entes queridos e descendentes têm e terão melhores qualidades de vida se habitarem regiões com sociedades mais desenvolvidas. O conceito de desenvolvimento como liberdade de Amartya Sen1 é o que consideramos na nossa mensuração de desenvolvimento. Ora, o perverso equilíbrio político atingido pela Nação Brasileira é um exemplo claro de como nosso sistema institucional está permitindo uma acomodação de interesses privados de forma prejudicial à maioria da população do país. Como em todo equilíbrio dinâmico, ele só será alterado se alguma força externa for aplicada a ele!

       Nossa pulverização partidária, ferrenhamente defendida até pela mais alta corte do nosso Poder Judiciário2 , além da maioria de caciques dos partidos, somado ao processo de contagem de votos para a eleição das câmaras de deputados e de vereadores, dificulta a eleição de claras maiorias nos colegiados eleitos. A perversidade maior está na desvinculação entre os eleitores e os eleitos! Dificilmente o eleitor médio se lembra em quem votou para deputados ou para vereador; pior ainda, quase ninguém sequer sabe quem o seu voto acabou elegendo! Deve-se notar que somente cerca de 5% de nossos deputados federais são eleitos com seus próprios votos. Isto desobriga totalmente o eleito de prestar conta de seus atos aos eleitores. O eleito torna-se dono de seumandato, embora o próprio nome do cargo indique que ele é um representante de eleitores. Desta forma, está montado o quadro institucional que explica perfeitamente como o equilíbrio atual, no qual os deputados e vereadores cuidam majoritariamente de seus interesses privados, os quais são grandemente “estimulados” por cargos e benefícios em empresas estatais para seus prepostos e em manejos corruptos dos orçamentos governamentais. Por isso são contra as privatizações!

       O Poder Judiciário também é parte deste equilíbrio dinâmico que explica a estabilidade do uso da coisa pública por uma elite de privilegiados; ele não interfere neste equilíbrio perverso, desde que possa continuar estabelecendo suas próprias condições, altamente favoráveis, de trabalho. É dos sistemas judiciários mais caros do mundo, com salários e vantagens de remunerações que beiram ao acinte, dado o nível de renda da maioria da nossa população, com férias excepcionalmente longas, que podem ser parcialmente vendidas por valores monetários altos e que, em cima de todos estes privilégios, apresenta à população resultados pífios, em termos do que se espera de seus serviços. Na justiça dos países anglicanos (Common Law), é dito que “Justice delayed is justice denied!” (justiça tardia é justiça negada), Por sua morosidade no Brasil nossa Justiça efetivamente é negada à grande parte da população. Pior ainda, ela é percebida como viesada, tendendo para o benefício dos poderosos e o prejuízo dos pobres. De fato, nosso sistema judiciário está em processo de perder o pouco que lhe resta da efetividade de seu poder de pacificação social, dado sua incapacidade de sinalizar à população o que seriam comportamentos sociais aceitáveis. A tolerância abertamente demonstrada com a corrupção por parte dos membros do governo desmoraliza o Judiciário. Assim, o judiciário não interfere no funcionamento perverso dos outros dois poderes desde que eles não mexam com as vantagens dos membros do judiciário. No equilíbrio mencionado, os eleitos não tocam nos privilégios dos membros do judiciário por medo de possíveis retaliações.

   Como descrito, o equilíbrio que se estabeleceu no sistema de governo brasileiro tende a manter o enorme número de empresas sob o controle do Poder Executivo, como forma de ser utilizado na extensão de benefícios aos membros do Poder Legislativo. Estes benefícios funcionam como contrapartida às necessidades do executivo de recursos monetários para sustentar políticas públicas populistas as quais lhes garantem a manutenção do poder. Como parte do butim é reservado aos membros do Poder Judiciário, este não incomoda o equilíbrio estabelecido. Ora, foi frustrante observar que a promessa liberal do governo Bolsonaro de quebrar este perverso equilíbrio dinâmico nunca foi efetivamente tentada! Por isso os liberais não são bolsonaristas! Bolsonaro recebeu muitos votos de liberais, porque a alternativa era pior, no processo polarizado em que se desenvolveram as eleições presidenciais de 2022. Muitos outros, no entanto, votaram em Lula porque acreditaram nas ameaças de interrupção do processo democrático feitas pelo então Presidente Bolsonaro. Agora os liberais precisam escolher candidatos que, efetiva e realmente, defendam as bandeiras sociais, econômicas e políticas do verdadeiro liberalismo. Ao contrário do que as esquerdas propagam, esta ideologia defende políticas que nos últimos (100) cem anos mostrou ao mundo que, quando consistentemente adotadas, levam a maiores graus de justiça social, equidade e bem estar populacional.

       Quando procuramos classificar países em termos da qualidade de vida de que desfruta sua população atual, é preciso reconhecer que aqueles melhores colocados são, exatamente, os que adotaram políticas liberais consistentemente. Estamos falando na qualidade de vida associada não somente a maiores possibilidades de consumo de bens e serviços de qualidade, mas também de liberdades e da segurança de que os direitos de seus cidadãos serão preservados sem a presença de estados opressores que ditam comportamentos arbitrariamente escolhidos por membros de castas dominantes, sejam elas formadas por ditadores ou por partidos que não se sujeitam ao controle efetivo da sua população.

1 SEN, Amartya (1999) Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Editora Schwarcz Ltda.

2 Em 2006 “O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos) que instituem a chamada ‘cláusula de barreira’”. Em https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=68591&ori= Acesso em 20/08/2023.

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