EDITORIAL 1º Ciclo LIDERMS IV

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Fernando Curi Peres

Giselda M.F.N. Hironaka

Vania D’Addario Guimarães

José Roberto Canziani

Renato Roscoe

            O 1º ciclo de estudos do LIDERMSIV aconteceu em Campo Grande, em 27 e 28 de maio de 2022. Foram dois dias de trabalhos intensos com discussões concorridas, das quais participaram todos os inscritos no programa, além dos sete convidados para serem coordenadores dos grupos bases. Os coordenadores dos dias foram, respectivamente, o Lucas Ingold e o Roberto Cottica; as considerações dos dois estão também publicadas neste primeiro boletim virtual. Abrindo oficialmente o LIDERMSIV, a FAMASUL, por meio de seu presidente, Marcelo Bertoni, indicou as expectativas da instituição quanto ao empoderamento dos participantes nas atividades do programa. Ainda na abertura, o Superintendente do SENARMS, Lucas Galvan, deu as boas-vindas aos participantes, demonstrando suas expectativas quanto à ampliação do network dos participantes, vistos como atuais e futuros responsáveis por parte importante do associativismo rural do Estado.

Sem se manifestar, mas por trás de toda a estrutura do programa, a figura do Dr. Clovis Tolentino se encarregava de fazer as coisas acontecerem, emprestando sua enorme competência administrativa/gerencial em processos públicos, mesmo aqueles de responsabilidade de instituições privadas. Como sempre tem acontecido em eventos do SENARMS e da FAMASUL, o Clovis é uma garantia de que o LIDERMSIV acontecerá segundo os mais rigorosos critérios de eficiência administrativa.

            A primeira parte do ciclo foi dedicada a uma visão ampla do setor rural brasileiro como percebida por especialistas da Confederação Nacional da Agricultura – CNA – entidade máxima da representação dos produtores rurais do país. As apresentações foram seguidas por perguntas dos participantes e respostas dos apresentadores. Os professores Renato Roscoe e Fernando Peres também discutiram aspectos das apresentações. Elas foram seguidas por uma palestra de Lucas Galvan sobre as estratégias e programas que estão sendo implementados pelo SENARMS. A próxima atividade foi uma indicação sobre como seria desenvolvido o programa LIDERMSIV: A) os cursos de (i) Economia, a cargo de Vania D’Addario Guimarães; de (ii) Administração e Projetos, a cargo de José R. Canziani; de (iii) Fundamentos de Contratos e de Sucessão, a cargo de Giselda Hironaka; de (iv) Implicações Tecnológicas de ESG no Agro, a cargo de Renato Roscoe; e (v) de Desenvolvimento da Sociedade Brasileira, a cargo de Fernando Peres. B) duas viagens de estudo: (i) uma viagem nacional e (ii) uma viagem internacional. C) 11 ciclos de estudo cobrindo tópicos integrativos sobre o agro aos demais setores da economia/sociedade. C) a formação dos Grupos Base que estimularão e ajudarão os participantes na elaboração e implantação de seus projetos individuais de investimentos associativos.

            Dada a enorme importância atribuída à formação e bom funcionamento dos Grupos Base, no desenvolvimento do network que precisa se criar no LIDERMSIV, a FAMASUL convidou 7 (sete) ex-participantes de turmas anteriores para atuarem como coordenadores dos grupos. Paulo Bozoi, Ana Paula Felício, Rafael Gratão, Alexandre Junqueira, Richardo Zuin, Alexandro Boiguer e Leandro Alessio aceitaram trabalhar, como voluntários, na nobre missão de acompanhar e ajudar na dinamização do funcionamento dos grupos base, estimulando a elaboração e implantação dos projetos associativos individuais dos participantes. A disposição, seriedade e desprendimento deste seleto grupo de membros da confraria LIDERMS é, e certamente continuará a ser, altamente apreciada pelos responsáveis e participantes do programa!  

            A última atividade do primeiro dia foi a apresentação e discussão de um trabalho sobre “O Conhecimento Humano: ciência e ideologias”. A apresentação foi seguida de discussão com intensa participação do grupo. De fato, o programa só estará atingindo seus objetivos se o grupo discutir, apresentando sugestões, concordâncias e discordâncias, questões e considerações diversas, o que indica uma forte participação nos temas sugeridos. Esta forte proatividade é, assim, parte fundamental do LIDERMSIV! Além disso, o site do programa conterá estudos e publicações que poderão/deverão ser acessados pelos participantes; a leitura do material é fundamental para que cada um possa acompanhar a profundidade dos temas propostos.

            Entre as apresentações do primeiro dia, feitas pela excelente equipe técnica da CNA, gostaríamos de destacar a análise sobre a situação política do país, apresentada por Nilson Leitão, atual presidente do Instituto Pensar Agro e também Consultor da CNA. Sua análise foi, fundamentalmente, conjuntural! Apesar do interesse imediato que este tipo de análise apresenta, a qual foi muito bem endereçada pelo palestrante, queremos tecer algumas considerações numa perspectiva de mais longo prazo e procurando pensar em soluções que tragam resultados mais sensíveis, duradouros e desejáveis para nossa nação. Trata-se do próprio processo político nacional.

Desde o início da chamada primeira república brasileira, em 1889, copiamos parcialmente o sistema/processo político dos Estados Unidos da América, criado por um punhado de estudiosos e pragmáticos líderes – os Founding Fathers[1] – e que tem se mostrado serem formas de organizações sociais duradouras e verdadeiramente democráticas. O problema está na estratégia brasileira de copiar parcialmente, deixando de lado instituições fundamentais para que o sistema/processo funcione a contendo. Optamos por um regime presidencialista com o Presidente da República chefiando o Poder Executivo Federal, um sistema bicameral de representação no Legislativo e um Poder Judiciário independente que se legitimisa pela indicação de membros das cortes pelo Executivo e pelo crivo do Legislativo. O problema surgiu com as cópias parciais e os “aperfeiçoamentos” nos três poderes que, no Brasil são feitos constantemente, mostrando a precariedade das nossas instituições.

Algumas aberrações no sistema político resultante (o nosso), devido á cópia parcial e às modificações feitas, podem ser mostradas: (i) apesar da justificativa da existência do sistema bicameral de representação legislativa – a existência do Senado Federal para evitar o domínio das decisões do legislativo pelos estados mais populosos – os limites arbitrariamente impostos às representações estaduais na Câmara dos Deputados do Brasil, produz um enorme desbalanço nas exigências de votos para a eleição de deputados nos diferentes estados. Isto penaliza a representação proporcional dos estados mais populosos e privilegia os menos populosos[2], apesar do Senado Federal existir exatamente para corrigir estes pesos relativos. (ii) um outro e, talvez mais sério problema, o controle do eleito por seus eleitores foi, no Brasil, praticamente eliminado pela ausência do voto distrital. Esta é, possivelmente, a principal distorção introduzida no nosso processo/sistema político representativo, prejudicando o funcionamento de nossa democracia.

            Como os votos para a Câmara dos Deputados estão dispersos em todo o estado, os eleitores não têm a mínima ideia sobre quem seu voto acabou elegendo. Isto é altamente conveniente para os eleitos; eles não precisam prestar conta a seus eleitores sobre sua atuação! Somente uma pequena parte[3] dos 513 Deputados Federais do Brasil foram eleitos com seus próprios votos. Assim, como os eleitores não sabem quem elegeram, eles – os eleitos -podem vender seus votos ao chefe do Executivo em troca de cargos nas empresas estatais para membros de sua família e/ou para membros de seu grupo de interesse particular, de cargos nas instituições do executivo que comandam polpudos orçamentos, ou em troca de emendas orçamentais de uso arbitrário de recursos públicos a serem utilizados, praticamente sem fiscalização, por seu grupo de interesse. Tudo feito pelo eleito sem que os eleitores saibam quem o elegeu! Esta relação entre eleito e eleitor só consegue se estabelecer em congressos escolhidos por meio do voto distrital; onde ele existe, os eleitores sabem quem o seu voto elegeu e cobram dele – o eleito – atitudes condizentes com suas expectativas.

            No Brasil, o grande número de empresas estatais dá ao chefe do executivo um instrumento adicional poderosíssimo de barganha econômica na compra de suporte político no parlamento. Por outro lado, a pulverização partidária e a ausência do voto distrital permitem ao eleito ser o dono efetivo de seu cargo. Assim, uma relação perversa tende a se estabelecer, com o Executivo tendo que estender benesses aos parlamentares e seus grupos de interesse para comprar apoio político necessário às suas ações ou iniciativas e para impedir que seja “impedido” (por impichment) pelo parlamento. Os membros do congresso, por sua vez, continuam legislando em benefício próprio, retirando do Executivo o poder de decisão orçamentária. Por isso, já ouvi analistas políticos respondendo à questão sobre o que deverá mudar no país com a próxima eleição de fulano ou cicrano para a presidência da república, com um enfático NADA VAI MUDAR! O congresso cada dia manda mais – como indicou Nilson Leitão – e o futuro Presidente da República dependerá, cada vez mais, dos humores do congresso, que deverá continuar agindo como tem feito até aqui, vendendo seu apoio em troca de cargos que permitem mais ou menos corrupção no uso dos recursos públicos.

              O que pode ser feito para que seja evitado o comportamento perverso do nosso atual congresso? Em primeiro lugar, surge a atitude “naive” de se esperar que os políticos mudem seus comportamentos e, como num passe de mágica, passem a priorizar o interesse da população em vez do seu próprio interesse. Desde o Iluminismo dos Séculos XVII e XVIII sabe-se que as pessoas agem por interesse próprio e não há razão os políticos serem diferentes. Os Founding Fathers, e a principal literatura política da época, sabiam bem disso desde os idos de 1776 e desenharam sistemas que forçavam os eleitos a atender os interesses dos eleitores se quisessem continuar ganhando seus votos. O voto distrital é um instituto fundamental na manutenção da vigilância pelo eleitor sobre as ações e iniciativas dos eleitos. Por isso, ele é utilizado na grande maioria dos países onde a democracia efetivamente funciona. No Brasil, os deputados não querem saber do voto distrital porque eles teriam que prestar contas de suas ações e iniciativas aos eleitores de seu distrito, e ninguém quer perder poder.

            Do lado do Judiciário, sem que os representantes do Legislativo realmente representem os interesses dos eleitores altamente dispersos do sistema político brasileiro, a legitimação do controle popular do Poder Judiciário fica prejudicada. Para fazer o Judiciário ser sensível aos interesses da população, em vez da atual sensibilidade somente aos interesses de sua corporação, sua legitimação precisa ser feita com alguma forma de submissão dos membros do Judiciário aos votos dos eleitores. Os membros do Ministério Público local poderiam ser eleitos pela população dos distritos ou, pelo menos, que a população possa recusá-los, ou tirá-los do ofício, em processos de “recall” iniciados em câmaras locais. Assim, eles olhariam mais os interesses das populações em vez de defender, quase sempre, os interesses de suas corporações, como fazem atualmente. Arranjos de “recall” podem ser feitos, como acontece no judiciário dos USA, com os juízes de 1ª e 2ª instância. Isto, certamente, aumentaria a característica de sensibilidade do Judiciário aos problemas das populações!


[1] Os “pais fundadores” da nação.

[2] Os Deputados Federais do Acre, Amapá e de Roraima, são eleitos com números de votos muito menores que os requeridos pelos coeficientes eleitorais de São Paulo e Minas Gerais, por exemplo, dando a aqueles parlamentares um poder relativo muito superior ao destes.

[3] De fato, só cerca de 6% dos representantes – 31 Deputados Federais – foram eleitos com seus próprios votos.

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