O BRASIL E A ELEIÇÃO NOS USA II

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No primeiro artigo em que falamos da recente eleição americana, enfatizamos a diferença na representatividade e consequente (i)legitimidade do nosso processo eleitoral. Dissemos que a única maneira que o mundo conhece de submeter os políticos à vontade da população – dos eleitores – é pela realização de eleições distritais, nas quais o eleitor escolhe seu representante e sabe em quem votou, e/ou elegeu, e pode acompanhar sua escolha e tirar, ou não, o eleito desta condição na próxima eleição. Desta forma, o voto distrital torna-se condição sine qua non para que os políticos representem, realmente, os interesses dos eleitores e não seus próprios interesses, como acontece atualmente no Brasil. Além disso, foi enfatizada a necessidade de fazer nossos Judiciário e Ministério Público estarem sujeitos ao recall – ou ao voto de permanência – para que sua legitimidade vá além de simplesmente passar em um concurso que lhes garante total independência da vontade da população. Falamos, ainda, da perversa simbiose entre a gestão de empresas públicas que coexiste, no país, com um sistema eleitoral que permite o eleito perseguir seus próprios interesses levando aquelas gestões ao que Elena Landau mostrou como:

“O apetite dos políticos é insaciável, e o governo se utiliza disso como moeda de troca. Não depende da área de atuação. É da natureza de uma empresa pública ser abusada pela má política. Só resolve privatizando”[1].

Neste artigo, falaremos sobre o importante impacto geopolítico que a eleição de Joe Biden deverá significar para o mundo.

Com a queda do Muro de Berlin, em 1989, o planeta assistiu o desmoronamento de um experimento de 70 anos do chamado socialismo real. Como peças de dominó, as estruturas econômicas dos países do socialismo real, caíram, uma após outra, dando lugar a economias de mercado, ou capitalistas. Com a hegemonia do capitalismo, chegou-se a falar no “fim da história” como a consequência inevitável do processo. Passados mais de 30 (trinta) anos, pode-se questionar o que a história está mostrando ao mundo como o seu novo sentido.

O capitalismo, ou a economia de mercado, tornou-se hegemônico. Parece que o mundo finalmente entendeu que a forma capitalista de organizar e gerir a produção leva à maior criação de riquezas para as sociedades. Atualmente, só três países no mundo usam formas não capitalistas de gestão de suas economias: Cuba, Coreia do Norte e Venezuela são estas três exceções e se apegam à gestão dos fatores de produção pelo estado, o socialismo. Estão, todas as três, literalmente, na fome. A qualidade de vida de suas populações é péssima e deixar os paraísos comunistas parece ser a maior preocupação de suas populações que fogem, às levas, para países capitalistas vizinhos. Levas de fugitivos estão, sempre, tentando deixar aqueles países e ganhar refúgio em economias de mercado próximas. Uma interessante reportagem do O Estado de São Paulo de 03/02/2021 mostra uma entrevista de Sonia Racy com o cientista político Murilo de Aragão, na qual o entrevistado relata um fato altamente ilustrativo de como mesmo países politicamente geridos por partidos comunistas absorveram as leis dos mercados. Aquele analista político diz na entrevista:

“O pragmatismo se impõe sobre os fatos e as crenças. Uma vez, meu filho Tiago foi com um grupo à China e, numa palestra que assistiram, na Juventude Comunista do PC Chinês, alguém disse: “Vocês sabem por que a América do Sul não dá certo? É porque vocês não respeitam o mercado!” Os mais esquerdistas, na sala, ficaram horrorizados. O conferencista explicou: “Nós respeitamos o mercado, produzimos o que ele quer”. Esse é o pragmatismo que nós deveríamos ter.” [2]

Muito tem sido dito sobre a capacidade do capitalismo de incorporar conquistas sociais e modernizar-se. O capitalismo selvagem, como descrito por Karl Marx, deixou de existir há muito tempo, ou só existe em economias marginais. No entanto, é relativamente nova a visão de sociedades capitalistas geridas por partidos comunistas ou por formas autocráticas de organizações políticas. A China e o Vietnam são exemplos marcantes desta nova forma de organização político-econômica. Nelas, a economia é gerida por empresas privadas, mas com um altíssimo grau de controle sobre toda a sociedade por partidos comunistas fortes e detentores de grande força de repressão e regulamentação social. Rússia e Cingapura, por outro lado, mostram ditaduras, ou pseudo-ditaduras tradicionais, nas quais as economias são geridas de acordo com as leis dos mercados, mas o poder político é exercido por ditadores ou pseudo ditadores. Existe um grande número de países sendo geridos autocraticamente por diferentes formas de ditaduras políticas que usam a propriedade privada e as relações de mercado como forma de garantir a produção de riquezas. Além dos já mencionados, pode-se apontar a Hungria, a Turquia, a Indonésia e inúmeros outros. O próprio Ex-Presidente Trump dos USA e seu mimetizador e seguidor mor do nosso país, manifestavam sistematicamente sua admiração por estas formas autocráticas de governo e declaram sua tendência de copiar atos dos ditadores destas nações.

O aclamado economista de origem Sérvia, Branko Milanovic, em um livro recente intitulado “Capitalism, Alone: The Future of the System That Rules the World[3], 2019, Harvard University Press, reconheceu a hegemonia do capitalismo no mundo contemporâneo e classificou os países em dois importantes grupos que, provavelmente, tenderão a produzir uma polarização semelhante à que o socialismo real versus capitalismo desempenhou na extinta guerra fria. Segundo este brilhante autor, a nova geopolítica está – ou estará – sendo formada por dois grupos de países que ele denominou de “capitalistas meritocráticos”, de um lado, e “capitalistas políticos”, de outro. A diferença entre os dois blocos está na gestão política das respectivas sociedades. Nos países capitalistas meritocráticos, a gestão política da sociedade está associada aos valores liberais que fundamentam, ou legitimizam, o poder político na manifestação dos cidadãos, explicitada pelo voto distrital no qual os eleitores controlam os eleitos e os mantém em seus cargos, ou não, em processos eleitorais frequentes. Nos países classificados como capitalistas políticos, o exercício do poder político é feito por um partido – na maioria das vezes pelo partido comunista – ou por ditadores, ou pseudo ditadores, que controlam processos eleitorais não legítimos, ou viesados, na tentativa de sua legitimação forçada. Estes dois blocos provavelmente dividirão o mundo contemporâneo com vantagens e desvantagens para cada membro dos dois grupos.

Os países que formam o grupo dos capitalistas políticos têm vantagens gerenciais em termos de rapidez e facilidade nas suas tomadas de decisões estratégicas. Por outro lado, Branko Milanovic identifica neste grupo uma tendência intrínseca ao aparecimento e desenvolvimento de processos de corrupção. Não há como eliminar esta tendência ao aparecimento de corrupção e, por mais que seu combate seja pregado pelas diferentes mídias, os países deste bloco não têm como reduzi-la sem incorrer em arbitrariedades e injustiças no seu combate. A corrupção é intrínseca e não se conhece métodos de combate-la sem utilizar formas reconhecidas de injustiças no seu controle. Em geral, estes regimes mostram formas exemplares de combate a corrupção, sacrificando “bodes expiatórios” para serem exemplos, embora na sua apuração sabe-se que elementos corporativos e de pertencimento a certos subgrupos estejam sempre presentes nos respectivos processos. Os países do grupo do capitalismo meritocrático têm, pelo seu lado, as vantagens do funcionamento reconhecido de sociedades liberais e a auto regulação liberal funciona como um freio à corrupção.

Nosso país experimentou, durante parte do período que foi dominado pelo Lulo-Petismo, um exemplo de como funciona o capitalismo político no Brasil. O partido que dominou o país escolheu os ganhadores no desenvolvimento do que foram chamados os “campeões nacionais”, líderes empresariais escolhidos para receber privilégios e vantagens econômicas governamentais e ganhar poder de concorrência internacional. O resultado, como não poderia ser diferente, foi a institucionalização de um altíssimo grau de corrupção na economia.  

Os países classificados como capitalistas meritocráticos têm economias que funcionam segundo regras, ou normas, conhecidas e nas quais as unidades produtivas – empresas – competem. Só as mais eficientes subsistem naqueles ambientes competitivos e as respectivas sociedades têm mecanismos que garantem que regras competitivas sejam seguidas, reduzindo o poder das grandes corporações prejudicarem os cidadãos por meio do desenvolvimento de estruturas não competitivas, monopolistas, monopcionistas ou de outras formas de competições imperfeitas. Em países que têm tradição de funcionamento meritocrático de suas empresas, abundam exemplos de grupos que são forçados a se subdividir em maiores números de menores empresas, visando proteger suas populações de grandes poderes derivados de corporações com altas concentrações em seus mercados.    

O mundo do capitalismo meritocrático, por se organizar segundo os princípios do liberalismo político/econômico, tende a ter nações com regimes estáveis, com instituições permanentes, devido à legitimidade de sua tripulação ou ocupação, e têm, correspondentemente, mecanismos de autocorreção de eventuais desvios no seu funcionamento. A reeleição de Trump, nos USA, foi, desta forma, rechaçada pela maioria da população do país quando ele tentou aprofundar seu desrespeito pelas instituições. A liderança do mundo do capitalismo meritocrático deverá voltar a ser exercida por aquele país e Joe Biden já deu inequívocos sinais de que vai voltar a desempenhar este importante papel durante seu mandato na Casa Branca. Temos, no Brasil, um órfão de pseudo ditador que perdeu, com Trump, seu norte ideológico. Sorte nossa!   


 

 

[1] Landau, Eliana “Pau que nasce torto”. O Estado de São Paulo, 05/fev./21, p.B3

[2] “O mundo político funciona no modo crise”. Cenários com Sonia Racy. O Estado de São Paulo, 3/fev. de 2021, p.B5

[3] “Capitalismo Hegemônico: o futuro do sistema que regula o mundo”.

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