A EDUCAÇÃO E O EMPRESARIADO BRASILEIRO

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Fernando Curi Peres

Recentemente uma parte expressiva do empresariado brasileiro, medido pela participação de suas empresas no PIB do país, manifestou-se, num abaixo assinado que teve grande divulgação midiática, juntamente com reconhecidos economistas nacionais, sugerindo mudanças na condução das políticas públicas do governo. O documento se referia à angústia nacional derivada da insensibilidade do atual governo, representado por manifestações de desrespeito pelas necessidades da população, de expoentes dos três poderes nacionais – Executivo, Legislativo e Judiciário – a clamores de seus habitantes quanto a ausência de ações e coordenações no enfrentamento da aguda situação que as crises sanitária e econômica estão impondo à população. A iniciativa parece justa e oportuna, mas, acima de tudo e visto numa perspectiva mais ampla, ela permite inferir sobre a insensibilidade daquele importante grupo de elite da sociedade brasileira que tem convivido e, passivamente, tem se omitindo, ao longo de décadas, com a secular situação de crise que assola a educação do país. Será que a louvável mobilização desta importante camada da elite nacional só acontece quando suas perspectivas econômicas são ameaçadas? Onde estão os valores cidadãos deste importante segmento da Nação?

Os testes de avaliação comparativa da performance dos alunos de 15 anos de idade (do PISA – Programme for International Student Assessment) da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e que são relatados a cada três anos, têm mostrado a pobreza relativa do sistema educacional brasileiro entre os 79 países amostrados no último teste – 2018. Nossos jovens têm, sistematicamente, ficado entre os últimos extratos nas três áreas testadas: (i) leitura e expressão; (ii) raciocínio lógico; e (iii) introdução ao conhecimento científico. Embora esta situação já seja conhecida desde muitos anos, poucas iniciativas[1] foram implantadas com o suporte empresarial explícito e efetivo de suas lideranças que, de fato, mostraria o comprometimento dos empresários brasileiros, refletindo sua priorização da educação.

Como bem indicado por Pedro Malan, os determinantes de longo prazo do grau de desenvolvimento da nossa sociedade são e estarão seriamente prejudicados pela deficiente priorização indicada à população pelas nossas lideranças em geral, e pelas empresariais em particular: 

“Que dizer de erros na Educação, que desde o início deste governo teve 4 ministros (se incluída a escolha de Decotelli), 4 ou 5 secretários-gerais no Ministério, 5 secretários de educação básica, 4 chefes do Inep, 3 secretários de educação superior? Com tanta gente competente na área de educação, o Brasil tem, na cúpula desse Ministério tão relevante, há mais de 2 anos e 3 meses, um deserto de ideias. E pensar que se trata de área tão determinante para definir o que seremos ou não seremos no futuro…

Na educação, assim como em outras áreas-chave, nosso truncado desenvolvimento econômico e social é função de investimentos que não fizemos no passado e, não menos importante, de investimentos mal feitos – que fizemos e tanto nos custaram, custam e ainda custarão. Na área de infraestrutura física, infraestrutura humana (educação, saúde) como no combate gradual, mas consistente, à desigualdade de oportunidades, que está na raiz da permanência de miséria e pobreza no País”.[2]

Infelizmente não vimos, ou ouvimos falar de, abaixo assinados e manifestações contundentes dos líderes das diferentes associações empresariais e de representações profissionais alertando para a situação calamitosa em que se encontram nossos sistemas educacionais, especialmente os de primeiro e segundo graus, além da baixa prioridade da sociedade com a importantíssima pré-escola, berço do hardware sobre o qual deverão se implantar todos os demais sistemas.

Prioridade significa buscar objetivos educacionais em primeiro lugar. De outra forma, estaremos sacrificando o desenvolvimento social de longo prazo do país em prol de objetivos de curto prazo. O mundo de nossos filhos e netos pagará pelas políticas e resultados que conseguiremos implantar/alcançar agora. Quando os empresários e demais lideranças do país aceitam a prevalência desta injusta penalização das gerações futuras em prol de benefícios econômicos atuais, eles mostram uma perigosa visão limitada ao curto prazo que, inevitavelmente, custará muito na realização e felicidade de seus descendentes. É fácil à classe empresarial brasileira se auto enganar acreditando que provendo boas escolas particulares para seus filhos e netos garantirá a eles melhores condições de vida no futuro! Esta visão míope os impede de ver que o ambiente em que viverão seus descendentes será tal que a insegurança na convivência social exigirá custos altíssimos para que os privilegiados possam conviver com massas de indivíduos não preparados para sua integração em sociedades cada dia mais exigentes na formação de seus capitais humanos e sociais. Como já acontece em muitos dos ambientes sociais do nosso país, a segurança da própria integridade física das pessoas está constantemente ameaçada, além da ameaça derivada da baixa qualidade dos serviços oferecidos à população. Esta insegurança será aumentada à medida em que sacrificamos nossas gerações futuras, em prol dos resultados de curto prazo que queremos alcançar.    

Nossa tradição cultural ibérica convive, secularmente, com as famílias transferindo para a Igreja e para o Estado a maioria das responsabilidades quanto à educação de seus filhos. E isto acontece, apesar dos estudiosos indicarem que, na educação de jovens, as ações e os valores que caracterizam o ambiente familiar têm um peso de cerca de 80% (oitenta por cento), enquanto o respectivo ambiente e atividades escolares têm os demais 20% (vinte por cento). Esta é uma das principais diferenças culturais entre os povos asiáticos e os ocidentais. Esta característica cultural ajuda a explicar o relativo sucesso das performances dos jovens dos países asiáticos nos exames do PISA da OCDE e no consequente efeito no desenvolvimento atual e futuro de suas economias e sociedades. Um exemplo pode ilustrar como os valores corporativistas de nossa sociedade acabam por prevalecer no desenho de nossas políticas públicas refletindo a verdadeira baixa prioridade implícita nas ações implementadas.

Consta das promessas de campanha do governo federal a alternativa de permitir o “homeschooling” (a família provê a frequentar escolas), alternativa presente em muitos países mais ou menos democráticos. No Brasil, é preciso mudar a legislação para permitir esse tipo de educação para parte de sua juventude. No entanto, adiantando-se às votações no Congresso Nacional, a Secretaria de Educação e o Conselho Estadual de Educação de São Paulo decidiram que, no Estado, as famílias que quiserem educar, elas próprias, os seus filhos terão que os matricular em alguma escola e terão que contratar “professores legalmente habilitados” para lhes ensinar as mesmas matérias exigidas pelos currículos oficiais. Aqui está a pegadinha! A família, mesmo tendo entre seus membros alguém com competência para ensinar determinadas matérias, ou disciplinas aos seus filhos, terá que contratar professores legalmente habilitados. Entre os requisitos para a habilitação legal exige-se que o professor “tenha formação específica na disciplina”. Isto, de fato, mata qualquer tentativa de famílias tentarem ensinar a seus filhos, seja por meio de seus próprios membros ou por pessoas competentes que ela conheça e em quem confie. Aqui está prevalecendo o velho corporativismo de nossa sociedade que, em vez de medir resultados de suas ações cuida somente dos meios para atingi-los. educação de seus filhos, sem que necessitem

 Nos Estados Unidos da América, por exemplo, qualquer família pode decidir educar seus filhos. O estado exige que, no fim dos respectivos períodos escolares, os jovens se submetam a testes e exames em escolas locais especialmente credenciadas para julgarem se o aprendizado foi suficiente. É o que, efetivamente, interessa! É preciso assegurar que o nível de formação exigido dos jovens seja atingido; é completamente irrelevante para o Estado saber quem os ensinou. Esta é uma escolha das famílias. No Brasil, nosso paternalismo ibérico exige que o Estado proteja as famílias escolhendo para eles quem são os professores para seus filhos. Não basta que os alunos aprendam o objeto da disciplina ou matéria; aqui, eles precisam ser escolhidos pela corporação dos professores. A mesma corporação que vai julgar, no fim de cada período letivo, se o jovem aprendeu o suficiente. A julgar pelos resultados dos testes do PISA pode-se constatar que nosso sistema é extremamente deficiente!

(Espesso nevoeiro: Efeitos da pandemia estarão conosco no que resta deste trágico 2021 e ainda em 2022     

Pedro S. Malan, O Estado de S.Paulo, 11 de abril de 2021)

[1] Todos pela Educação, Instituto Alfa e Beto, Instituto Ayrton Senna e Fundação Lemann são exemplos das poucas iniciativas filantrópicas, ou do terceiro setor, que se dedicam a contribuir para melhorar o estoque do capital humano do país, por meio de ações educacionais.

[2] Pedro S. Malan, Espesso nevoeiro: Efeitos da pandemia estarão conosco no que resta deste trágico 2021 e ainda em 2022. O Estado de São Paulo, 11 de abril de 2021, pg. A2

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